terça-feira, 9 de junho de 2009

Formação de professor deve mudar para melhorar qualidade do ensino


Em debate nesta segunda-feira, Fernando Haddad e Paulo Renato Souza defendem políticas para a Educação Dois dos maiores nomes da educação brasileira dos últimos 15 anos, o atual ministro Fernando Haddad e o ex-ocupante da pasta e hoje secretário estadual Paulo Renato Souza acreditam que os cursos de formação de professores precisam mudar para que o ensino no país melhore. Eles participaram nesta segunda-feira de um debate sobre o tema, promovido pelo Grupo Estado.Haddad e Paulo Renato, no entanto, mostraram visões diferentes de como as mudanças podem ocorrer. "O Estado tem de assumir mais as prerrogativas de formação. As universidades estaduais e federais podem e devem formar mais e melhores professores", disse o ministro. Ele defendeu a reformulação dos currículos de cursos de Pedagogia e Licenciatura. Já Paulo Renato se disse mais cético quanto à possibilidade de promover tais reformas. Para o secretário da Educação de São Paulo, cursos de aprimoramento oferecidos depois da formação universitária podem ajudar a melhorar a preparação do professor. O Estado criou no mês passado a Escola de Formação de Professores, que vai oferecer cursos durante quatro meses para docentes aprovados em concursos. "A questão central é que os cursos para formar professores não dão um instrumental adequado para trabalho em sala de aula", diz Paulo Renato. Cerca de 250 pessoas - várias delas docentes - participaram do evento, que esgotou a capacidade do auditório. Elas se inscreveram pela internet e puderam fazer perguntas por escrito aos dois convidados. O vídeo com a íntegra do debate já está disponível na TV Estadão, no portal http://www.estadao.com.br.Na opinião do ministro, a formação dos docentes será o "cerne da educação brasileira na próxima década". "O tema constitui o maior desafio para a melhoria da qualidade da educação do nosso País", concordou Paulo Renato. Ministro e secretário também disseram que o aumento da quantidade de professores com curso superior no país não ajudou a melhorar a qualidade do ensino. Dados do primeiro censo completo do professor, divulgado no mês passado, mostram que 70% do 1,8 milhão de docentes da educação básica têm formação universitária."As faculdades de educação têm uma tradição de formar especialistas, se discute bastante teoria e história da educação, mas os conteúdos das disciplinas não são visto", afirmou o secretário. Para Paulo Renato, é "muito difícil" mudar essa vocação das instituições.Algo semelhante foi tentado em sua gestão no Ministério da Educação (1995-2002). A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) previa que fossem criados institutos superiores de educação apenas para formar professores, tirando essa atribuição das faculdades de Pedagogia e Licenciatura. "Foi uma questão muito debatida entre ministério e academia. Confesso que fui derrotado na minha tentativa de que esse modelo vingasse e acabamos aprovando uma resolução que deixou a questão em aberto." O ministro da Educação acredita que uma das maneiras de influenciar mudanças nos currículos seria a criação de uma prova nacional de admissão de professores, que já está sendo estudada no MEC. O exame cobraria didáticas e conteúdos considerados essenciais pelo governo federal que, como consequência, teriam de ser trabalhados nos cursos. "O Brasil responde muito bem à indução." O MEC também criou recentemente institutos federais que têm a obrigatoriedade de oferecer cursos para professores nas áreas de física, química, matemática e biologia. Além da má formação, o País enfrenta atualmente um déficit aproximado de 200 mil profissionais, principalmente nessas quatro áreas. SaláriosA falta de incentivos para a carreira de professores, principalmente financeiros, também foi discutida no debate. O ministro Fernando Haddad apresentou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) que comparam os salários dos professores ao restante dos profissionais do País com formação universitária. Em 2003, os profissionais com curso superior completo ou incompleto ganhavam 86% a mais que docentes brasileiros. Em 2007, essa diferença caiu para 61%. A média salarial dos professores é de R$ 1,3 mil. A comparação não levou em conta o novo piso salarial de professores no País. "Se mantivermos esse passo, em algum lugar no tempo entre 2014 e 2015 esses valores estarão equiparados", acredita. "A carreira do professor não pode estar em desvantagem em relação às demais. Vamos perder jovens vocacionados por causa de uma questão econômica."Respondendo a uma pergunta da plateia que mencionou que os cursos de formação de professores teriam "limitações intransponíveis", o ministro se disse otimista com relação a mudanças. "Os cursos de Pedagogia têm limitações transponíveis. Eu encaro com otimismo que as universidades vão se adequar a uma nova filosofia."Haddad e Paulo Renato divergem sobre bônusEm um debate marcado pelo tom cavalheiresco e pela confluência de opiniões sobre a educação brasileira, uma das poucas divergências disse respeito ao pagamento de bônus aos professores da rede pública paulista.Para o secretário estadual da Educação, Paulo Renato Souza, o programa segue uma tendência internacional e representa hoje a experiência mais ambiciosa nessa área no mundo. O ministro Fernando Haddad considerou injusto o pagamento com base no desempenho dos alunos, o que, na sua opinião, não retrata o comprometimento da escola com a melhoria do ensino.Paulo Renato disse que, em um universo de 223 mil professores e funcionários habilitados ao bônus em São Paulo, 195 mil receberam o benefício, entre eles 158 mil docentes.O secretário mencionou discurso feito em março pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em que ele falou da necessidade de parlamentares democratas deixarem de lado a resistência à remuneração de funcionários por desempenho, "o que sempre foi tratado como um tabu, especialmente pelos sindicatos". Mas admitiu que o programa precisa ser aperfeiçoado. Citou o caso de várias escolas consideradas as melhores da rede, que não alcançaram metas fixadas pela secretaria. O pagamento do bônus a servidores dessas unidades só foi decidido de última hora, não constava da proposta original. "É preciso reconhecer que as escolas boas puxam a média para cima.""Há escolas que não conseguem atingir as metas por questões alheias à sua vontade, o entorno prejudica mais o desempenho da escola que o que acontece dentro", rebateu Haddad. Ele falou do Plano de Desenvolvimento da Educação, que estabeleceu metas e premia unidades que as atingem com um reforço orçamentário. "As que não cumprem metas não são ‘punidas’ com o não recebimento do recurso, só que o repasse não é automático, a escola tem de apresentar um plano de trabalho."Metas adequadasHaddad rebateu críticas de que as metas do plano são muito baixas. Disse que, se elas forem cumpridas, em 15 anos o Brasil alcançará a média dos países desenvolvidos. "O contrário é que deve preocupar. Será que 15 anos é tempo suficiente para que nós alcancemos um patamar de desenvolvimento educacional que outros países levaram cem anos para atingir?" Paulo Renato concordou com o ministro. "O mais importante é que temos metas e as estamos perseguindo."Curso a distânciaA questão foi colocada num e-mail enviado ao moderador do debate pela ex-secretária da Educação Maria Lúcia Vasconcelos. Ela questionou se os cursos a distância não implicariam uma formação "ligeira". Haddad lembrou que, a rigor, não existem cursos a distância stricto sensu no País, porque a legislação, ao contrário da de outros países, exige uma carga horária presencial mínima."Conheço muitos cursos bons semipresenciais e muitos cursos ruins presenciais." Mesmo assim, o ministro disse que prefere cursos presenciais, porque o ambiente universitário permite uma formação mais ampla. Haddad afirmou que o ensino a distância pode ser um instrumento para a formação de "professores em serviço que estão muito distantes dos grandes centros".Paulo Renato concordou que o meio, nesse caso, é secundário. Citou a Open University, maior centro de formação de professores da Inglaterra, que, antes da internet, usava o correio como mídia."Em outros países com resultados bastante melhores que o nossos em matéria de aprendizagem dos alunos, a questão da formação de professores está muito centrada na prática, em estágios nas escolas, em que nos primeiros anos em que o professor é admitido na rede ele é supervisionado em seu trabalho diário", disse. "Esse para mim é um ponto mais importante do que simplesmente discutir se será presencial ou a distância."Atratividade da carreiraHaddad ressaltou a necessidade de "capilarizar mais a nossa rede de oferta de cursos de licenciatura." Ele destacou a criação de 38 institutos federais, antigos Cefets, centros de ensino técnico que têm de dedicar 20% do orçamento a quatro licenciaturas: física, química, biologia e matemática. "Esses cursos estarão em mais de 300 cidades", afirmou. "Aquela ideia de levar o jovem para a capital, formá-lo lá e imaginar que ele regressa ao município para dar aula tem de ser substituída por uma visão de que é a rede que tem de ir até o jovem e oferecer condições para que ele possa se formar com qualidade."Escola de formaçãoRecém-criada, a escola de formação de professores de São Paulo dará cursos de quatro meses a candidatos aprovados em concurso público. A aprovação nesse curso será obrigatória para o ingresso na carreira. Paulo Renato abordou o tema a partir da um questionamento da plateia: o concurso, por si só, não é já o fator de seleção?"Esse curso de quatro meses será parte do concurso", argumentou, afirmando que o objetivo da escola é focar na "prática da sala de aula, tanto na questão dos conteúdos como na didática específica de cada disciplina". O secretário disse que essa forma de dupla seleção, por concurso e escola de formação, já é adotada em várias carreiras públicas, como as do Itamaraty. Pelo raciocínio de Paulo Renato, o concurso avalia de o professor tem formação adequada e o curso o prepara para a realidade das salas de aula da rede. "É uma preparação muito mais prática do que teórica."Eleições e educação"A temperatura vai aumentar e é natural que isso seja assim", afirmou Haddad. Ele disse que os prováveis candidatos à sucessão presidencial têm "grande maturidade política, sabem as dificuldades de estabelecer um sistema de ensino de qualidade". Haddad disse que o país tem sido, de certa forma, ambicioso nas suas metas para a educação."Ainda somos um país de renda per capita intermediária, estamos tentando nos aproximar de países com quatro, cinco vezes a nossa renda per capita", afirmou. "Todos os candidatos saberão abordar adequadamente o tema, que é complexo, exige políticas de Estado, perseverança e se, em algum momento, alguém sair do script previsto, não faltarão assessores para reorientar o bom curso da discussão."Paulo Renato comentou que no governo Luiz Inácio Lula da Silva, depois de tentativas de mudanças mais radicais, houve a confluência para uma política coerente "com o que se fazia" na gestão Fernando Henrique Cardoso. Ele destacou a importância de movimentos da sociedade civil, como o Todos pela Educação. "Chegamos a um certo consenso do que deve ser feito."(O Estado de SP, 9/6)

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