terça-feira, 16 de junho de 2009

A Desertificação


Carlos Minc - Geógrafo e Ministro do Meio Ambiente


Apesar de significar um problema socioeconômico e ambiental de escala global, capaz de provocar impactos em aproximadamente dois bilhões de pessoas em todas as regiões do planeta, a desertificação é um tema que não tem recebido a devida atenção por parte dos Estados Nacionais e das instituições de cooperação internacional. Os esforços pela implantação de políticas nas regiões afetadas pela desertificação têm se mostrado débeis e desfocados das realidades dos países, principalmente na África. Em grande medida, porque a questão não conseguiu sensibilizar os países ricos e, consequentemente, as instituições financeiras quanto à gravidade do problema. A ausência de apoio internacional tem levado as nações a voltarem suas atenções para os temas onde há mais financiamento, o que deixou a desertificação num plano secundário nas agendas nacionais. No Brasil, o tema foi levantado já em 1949 pelo agrônomo José Guimarães Duque, do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), em seu livro “Solos e Água no Polígono das Secas”. Naquela época, Duque já alertava sobre a ocorrência do problema em algumas partes do Nordeste semiárido e chamava a atenção para a necessidade do uso racional dos recursos naturais, com vistas a preservar a sua produtividade para as futuras gerações. “O desnudamento do solo não conduzirá o polígono a um deserto físico como o Saara, porém provocará os extremos metereológicos, a insolação aumentada, o calor excessivo, o ressecamento intenso e a erosão eólica que produzem cheias mais impetuosas, secas mais violentas e fazem minguar as fontes de produção, o que diminui a habitabilidade e o conforto, resultando , enfim, no deserto econômico” (Guimarães Duque, 1949). No entanto, as recomendações de Duque não foram incorporadas às políticas públicas brasileiras e acabaram esquecidas. Entretanto, o atual quadro das mudanças climáticas impele os países, assim como os órgãos internacionais de apoio ao desenvolvimento, a uma nova postura frente aos desafios ambientais e ao desenvolvimento das regiões secas do globo. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), os impactos das mudanças climáticas serão mais pronunciados nas regiões áridas e semiáridas do planeta. Estes locais estão sujeitos ao aumento da escassez de água e à frequência e intensidade de secas e desastres naturais. Para a América Latina, o IPCC prevê um aumento na temperatura média anual entre 2° e 6° C. A tendência é que, até 2050, a desertificação e a salinização afetarão 50 das terras agrícolas do continente. A “II Conferência Internacional : Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas”,representada pela sigla ICID+18, é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Governo do Ceará que resulta da estratégia de incluir as questões referentes às regiões secas nas discussões sobre o desenvolvimento global, de forma a fazer frente ao tratamento secundário dispensado a esses locais pelas instituições internacionais de apoio ao desenvolvimento. Pretende-se promover uma ampla divulgação e disseminação dos resultados da ICID+18, de forma que as regiões secas do planeta venham a ter um tratamento adequado nos fóruns internacionais, mais precisamente no âmbito da RIO+20. É imperativo levar em consideração o fato de que a situação vem se agravando em razão das terras secas concentrarem os grandes problemas de pobreza no mundo, os quais, associados a uma base frágil de recursos naturais e à pressão antrópica, têm intensificado os processos de desertificação. Este quadro leva a disputas pela terra e pela água, ocasionando ainda mais conflitos e migrações e acentuando a pobreza de grande parte da África, da Ásia e da América Latina. [OPOVO 16/06/2009]

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