quinta-feira, 22 de abril de 2010

UM GRITO DE DENÚNCIA, UMA NOTA CONTRA A VIOLÊNCIA: JUSTIÇA AO COMPANHEIRO JOSÉ MARIA FILHO


Um crime provoca indignação e perplexidade: o assassinato de Zé Maria, 44 anos, ocorrido neste dia 21 de abril de 2010. Ele era presidente da Associação Comunitária São João do Tomé, presidente da Associação dos Desapropriados Trabalhadores Rurais Sem Terra – Chapada do Apodi, liderança do movimento social – filho da comunidade do Sítio Tomé - Limoeiro do Norte – CE,. As razões do assassinato se encontram no bojo dos conflitos provocados pela presença do agrohidronegócio, instalado em meados da década de 1990 na região jaguaribana. Esses conflitos trouxeram uma realidade de profundas injustiças sociais para a nossa região. A comunidade de Tomé bem como outras que se localizam na Chapada do Apodi sofrem o descaso e o desrespeito dos órgãos públicos e a irresponsabilidade das grandes empresas que se fixaram na Chapada e que atentam contra o meio ambiente e a saúde da coletividade.
Desde o início, Zé Maria se envolveu nas diferentes lutas contra essas injustiças, estando presente no Grito dos Excluídos, no Fórum Regional e seminários contra os Agrotóxicos, discutindo a problemática do uso da água. Sua voz ecoou em todo o Vale do Jaguaribe através das emissoras de rádio denunciando as violações dos direitos humanos que vitimam as comunidades da Chapada do Apodi.
Sua solidariedade inconteste o impulsionava ao debate e a denúncia cotidiana. Assumindo a defesa dos interesses coletivos, o bravo companheiro levou a todos os locais e momentos significativos das lutas os problemas dos trabalhadores rurais sem terra da Chapada do Apodí, as angústias e incertezas de centenas de famílias que recebem água contaminada e os infortúnios de dezenas de famílias que moram em casa de taipa na Comunidade do Tomé.
Este envolvimento o fez vítima. Vítima de quem? De que? Vítima dos conflitos (terra, água, agrotóxico) gerados pelo modelo de desenvolvimento do agrohidronegócio e, também, da inoperância e da negligência dos poderes públicos em solucionar esses conflitos.
Nos capítulos de nossa história muitos foram os/as companheiros/as que tombaram vítimas da expansão do agronegócio, da ganância desenfreada dos senhores do capital e da virulência social dos poderosos. Dentre eles/elas podemos citar o ecossocialista Chico Mendes, Pe. Josimo defensor da reforma agrária, a sindicalista Margarida Alves e a missionária Ir. Dorothy Stang. Seja com o seu exemplo de vida, seja na forma como lhe ceifaram a vida, Zé Maria assemelha-se a todos/as eles/as. E assim como a luta e a memória dos bravos lutadores não foram apagadas com a violência perpetrada por seus assassinos, também não serão esquecidos os teus gritos contra o agrotóxico, a tua defesa pela vida. É na Campanha da Fraternidade deste ano de 2010 que nos inspiramos para continuar a defesa dos direitos humanos, atentando para o ensinamento de Jesus: Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro ( Mt. 6, 24).
É com essa determinação que os movimentos e instituições que assinam esta nota vêm a público se solidarizar com a família do companheiro e com toda a Comunidade do Sítio Tomé, repudiar todas as formas de violência, exigir a apuração rigorosa do crime e a punição dos culpados.


Limoeiro do Norte, 21 de abril de 2010.


CÁRITAS DIOCESANA DE LIMOEIRO DO NORTE
NÚCLEO TRAMAS – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
RENAPE – REDE NACIONAL DE ADVOGADO POPULAR
MAB – MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM
CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – DIOCESE DE L. DO NORTE
PASTORAIS SOCIAIS – DIOCESE DE LIMOEIRO DO NORTE
MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TERRA
FAFIDAM – FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O impacto da iniciação científica

GELSON GENARO E MARIA DE FÁTIMA MARTINS

Construção do conhecimento. Esse é o foco central do complexo ensino-aprendizagem, mas como desenvolver tal procedimento é uma questão que vem merecendo inúmeras proposições. A visão mais conservadora do professor como uma espécie de “divulgador de conhecimentos” não é uma proposta viável, já que impede o aluno, por si só, de elaborar um raciocínio crítico e autônomo, procedimento este que seria intensamente desejável na Universidade.
E, aliado a esse professor burocrático, temos o “produto final” desse processo: o aluno passivo, que apenas memoriza o assunto referente à aula, minimizando o sucesso do ensino-aprendizagem. Pode-se, no máximo, esperar uma repetição, por parte do aluno, das respostas que o professor apresentou, esvaziando, dessa forma, as atividades primordiais do ensino: o questionamento e o raciocínio. Impedindo, dessa maneira, que ocorra a construção do conhecimento.
Portanto, essa visão deve ser modificada, e o professor deve ser alguém capaz de proporcionar ao aluno o desenvolvimento de sua curiosidade e de despertar o pesquisador que está dentro dele.
A partir do momento em que se abandona essa visão mais conservadora, ambos, professor e aluno, passam a ser sujeitos ativos na construção desse conhecimento, não como algo que é passado a outrem, sem questionamento, sem reflexão. É exatamente aqui que o conceito de “sala de aula” sofre crítica transformação. Essa “sala” passa a ser qualquer local onde se buscam soluções para problemas quaisquer. Esse processo pode ser um treinamento muito importante para o estudante. Mas como podemos fazer uso dessa proposta de estudo?
É exatamente aqui que a iniciação científica (IC) pode se tornar o catalisador do processo, tanto na formação do estudante como na produção de ciência. A graduação é a fase indicada para o processo de formação desses estudantes, que deverão ser os futuros pesquisadores, responsáveis pelas futuras gerações de outros pesquisadores, e assim sucessivamente.
A iniciação científica é um poderoso mecanismo que proporciona a integração do ensino com a pesquisa científica, inserindo o estudante, ainda na graduação, na atividade científica, formando, desse modo, sua mentalidade crítica. A partir desse ponto de vista, devemos fazer uso da iniciação científica como uma ferramenta continuamente presente na formação dos alunos, sendo uma condição necessária para as instituições de ensino superior proporcionarem esse treinamento por meio de seus docentes.
A participação desse aluno em projetos de pesquisa, culminando com um trabalho que pode ser subsequentemente desenvolvido na pós-graduação, é o ápice desse organograma.
Mas nem todos os estudantes irão seguir a carreira acadêmica, portanto nem todos devem fazer uso da iniciação científica? Errado. Todos devem, sim, utilizar a iniciação científica em sua formação, pois não é só na vida acadêmica que se pode fazer uso dos benefícios desse treinamento. O profissional, seja de qual área for, será um sujeito muito mais completo se tiver, em sua formação, um período em que participou de um processo de iniciação científica.
A principal vantagem de um estudante que participa de iniciação científica será sua maior capacidade de solução de problemas e sua capacidade de não estar limitado apenas às principais ferramentas de sua área de atuação. E, se esse estudante estiver focado na vida acadêmica, terá seu tempo de pós-graduação diminuído com esse treinamento, sendo melhor preparado do que aqueles que se dirigiram diretamente à pós, sem cursar a iniciação científica.
O orientador deve dedicar especial atenção ao andamento dos trabalhos de seu aluno de iniciação científica, tanto nos fundamentos teóricos como também nos práticos. O estudante deve, por sua vez, dedicar a maior parte de seu tempo extraaulas a essa atividade, devendo realizar um período previamente determinado de estágio na área, para avaliar as reais possibilidades de se identificar tanto com as técnicas e objetivos como também com o orientador.
A quantidade de tempo dedicada pelo docente a cada estudante é relativa, já que dependerá do tipo de estudo realizado, dos métodos que irão desenvolver e, por fim, da capacidade e dedicação de cada estudante.
Em relação ao estudante, a principal exigência é o tempo de dedicação. Tempo este que será voltado para as mais diversas facetas dessa atividade, sendo que deve entender que a iniciação científica é um esforço no aprimoramento de sua graduação. Os pontos relevantes que o aluno deve considerar, e dominar, são:
1) O método a ser utilizado na pesquisa. Se for um aluno iniciante, portanto, que não domine tal técnica, deve conceber um período de estágio para seu treinamento, antes do início do período oficial de investigação.
2) Aspectos básicos como inglês, estatística, informática, redação de documentos (como o próprio projeto, painéis, resumos etc.). Conhecer a literatura básica e também fazer levantamentos bibliográficos, atualizando-se no assunto.
Os diversos programas de iniciação científica existentes no Brasil focam o desenvolvimento dos alunos, proporcionando uma opção importante para o aprendizado, treinamento e aplicação das respectivas técnicas da área do conhecimento. O método científico deve ser inserido nessas condições, e deve-se ressaltar aos alunos a sua magnitude, bem como o orientador deve proporcionar condições para o aluno confrontar-se com os principais problemas da área do conhecimento, acompanhando-o de perto.
O foco principal da iniciação científica é colocar o aluno para praticar seus questionamentos dentro da perspectiva do método científico, privilegiando seu senso crítico, bem como sua criatividade. Também pode-se vislumbrar a possibilidade de o orientador, dentro desse processo que foca o aluno, conseguir condições primordiais para formar uma equipe, com uma redução significativa de tempo de treinamento na formação dos alunos envolvidos.
Por fim, o orientador deve estimular a participação dos estudantes em eventos científicos, bem como treiná-los na redação científica, árdua tarefa, que irá exigir muita dedicação de todos os envolvidos. Culminando num resultado muito mais ambicioso: a otimização da posição brasileira na produção de artigos científicos, proporcionado ao nosso país galgar posições importantes no ranking da produtividade científica mundial, graças a esse processo que teve início com o estudante batendo à nossa porta para solicitar o estágio inicial.

Gelson Genaro é orientador pontual (OP) do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP
Maria de Fátima Martins é professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP
Jornal da USP 01/mar/10

sexta-feira, 9 de abril de 2010

MP pede suspensão de concurso para professor substituto da Uece

Mal teve suas inscrições encerradas no último dia 6, o processo seletivo para a escolha de 127 professores substitutos da Universidade Estadual do Ceará (Uece) corre o risco de não acontecer. O Ministério Público Estadual solicitou, na Justiça, a imediata suspensão da escolha dos educadores.

Protocolado na 7ª Vara da Fazenda Pública, o processo, se aceito, barra o preenchimento de 69 vagas em Fortaleza e 58 no Interior. O argumento principal utilizado pelo órgão é de que a Uece já sofre com a defasagem de efetivos. Logo, o mais coerente seria a realização de concurso público para acabar com essa carência.

Segundo o MP, são necessários 222 novos profissionais para a defasagem de servidores de carreira ser quitada. ``Temos documentação do próprio reitor admitindo isso. A função do magistério não pode ter esse caráter de excepcionalidade. Professor temporário não deve existir``, pontua a promotora de Justiça Elizabeth Almeida.

Caso não consiga a suspensão imediata da seleção, ela defende que, depois de finalizada, a escolha seja considerada nula. A ideia é forçar o Governo a realizar concurso público para efetivos no ensino superior. Por ora, não há previsão de realização de certames para a contratação de efetivos.

O vice-reitor da Uece, Antônio de Oliveira Gomes, admitiu a carência de 222 profissionais. Contudo, preferiu não comentar a ação do MP. Ponderou apenas que a demanda citada ``não é de imediato``. Os 222 educadores devem ser contratados até 2012. E viriam para ocupar cadeiras de aposentados e vagas exigidas pela reformulação do currículo de alguns cursos.

Sobre o concurso para os 127 substitutos, Neto informou que nem todos classificados ocuparão postos de efetivos. ``Tem substituto saindo para fazer mestrado fora; outros entrando em licença-maternidade; outros com afastamento para tratamento de saúde. Boa parte dos novos vem para preencher esses espaços``, sublinhou. (Bruno de Castro)

domingo, 4 de abril de 2010

Cocó: para quê te quero?




Flávio Rodrigues do Nascimento - Geógrafo

[04 Abril 2010 - OPOVO]

Os problemas ambientais são muito preocupantes nas bacias hidrográficas da metrópole cearense. Destaque-se o baixo-médio curso da bacia do rio Cocó, entre Fortaleza e Maracanaú, que abriga atividades socioeconômicas características de sua situação privilegiada, proporcionando usos múltiplos das águas, urbanização, indústria, turismo e lazer, porém, havendo degradação e conflitos ambientais.

Insere-se neste contexto o Parque Ecológico do Cocó (PEC) no baixo curso do rio - um dos mais importantes da bacia metropolitana. Paisagens litorâneas e pré-litorâneas valorizam o ambiente urbano de seu entorno, que foi, e é histórica e socialmente produzido em meio aos relicários de dunas, planícies fluviomarinha, fluviais e flúvio-lacustres e tabuleiros litorâneos. Não é legítimo que a dinâmica ambiental e tais heranças paisagísticas tenham seu valor de uso exacerbado em detrimento de seu valor de troca, no uso/ocupação da terra, com a natureza somente sendo concebida como mercadoria aos que detêm mais renda, ou enquanto única opção de habitação aos mais pobres.

Paisagens cada vez mais segregadoras produzem: de um lado espaços supervalorizados & com renda concentrada, melhor infraestrutura, urbanização e de fluência da urbanidade -, e de outros, espaços concentrando bolsões de miséria. Ambos crescendo desiguais, mas combinados em meio à exclusão social e a degradação ambiental. Assim, é importante o reconhecimento das características ambientais do PEC, (re) qualificando-o enquanto Unidades de Conservação (proteção integral ou uso sustentável) à averiguação da capacidade-suporte de seus recursos naturais; e por que não dizer do próprio sítio urbano de Fortaleza.

O território que constitui o parque é multifacetário e multi-escalar (do capital ou da moradia de baixa renda e de risco, da luta social na proteção da natureza, etc.) contestado material e simbolicamente por produtores do espaço (empresários, turistas, sociedade e, especialmente, os governos Municipal e Estadual).

A falta de Plano de Manejo para o entorno do PEC e geoambientes associados (Área de Proteção Ambiental, Parque Natural das Dunas de Sabiaguaba e da Área de Relevante Interesse Ecológico- Dunas do Cocó), colabora à existência de impactos negativos, a partir de: aterramentos e poluição de coleções hídricas colaborando para cheias; compactação dos solos; surgimento de áreas de risco; problemas com resíduos sólidos, proliferação de epidemias e pestes; desmatamentos e reduções de áreas verdes (abaixo do mínimo de 16 metros quadrados por habitante conforme a OMS) e de sumidouros de gás carbônico, além das áreas tampões necessárias ao conforto térmico da cidade.

Então, Cocó: para quê te quero? Seu complexo fito-faunístico e fluvial produz funções ecossistêmicas e resguarda ativos ambientais, se prestando a suporte as atividades produtivas; informação científico-educacional; regulação hidroclimática; produção de recursos genéticos e medicinais; contato com a natureza e sua conversação. Especula-se que sem tamanha área verde, os problemas de drenagem urbana e de aquecimento do micro-clima da cidade seriam deveras aumentados.

É mister o desenvolvimento de um plano de ação integrado (plano de manejo) baseado nos limites da poligonal do PEC, envolvendo os fortalezenses, considerando as leis ambientais e a realidade local. Tal Plano deve abranger o Parque e sua zona de amortecimento, para evitar litígios (atuais e futuros) ao alcance dos usos conjuntivos associados aos partilhados dos recursos naturais, definindo prioridades e eliminando os riscos de conflitos ambientais. Protegendo os mananciais, mantendo e recuperando a funcionalidade dos geoambientes, reflorestando matas ciliares, implantando saneamento básico e, sobretudo, desenvolvendo práticas conservacionistas na relação sociedade/natureza seria, portanto, metas necessárias.

>> FLÁVIO RODRIGUES DO NASCIMENTO é geógrafo e professor do departamento e da pós-graduação em Geografia da UFF/RJ.