domingo, 4 de abril de 2010

Cocó: para quê te quero?




Flávio Rodrigues do Nascimento - Geógrafo

[04 Abril 2010 - OPOVO]

Os problemas ambientais são muito preocupantes nas bacias hidrográficas da metrópole cearense. Destaque-se o baixo-médio curso da bacia do rio Cocó, entre Fortaleza e Maracanaú, que abriga atividades socioeconômicas características de sua situação privilegiada, proporcionando usos múltiplos das águas, urbanização, indústria, turismo e lazer, porém, havendo degradação e conflitos ambientais.

Insere-se neste contexto o Parque Ecológico do Cocó (PEC) no baixo curso do rio - um dos mais importantes da bacia metropolitana. Paisagens litorâneas e pré-litorâneas valorizam o ambiente urbano de seu entorno, que foi, e é histórica e socialmente produzido em meio aos relicários de dunas, planícies fluviomarinha, fluviais e flúvio-lacustres e tabuleiros litorâneos. Não é legítimo que a dinâmica ambiental e tais heranças paisagísticas tenham seu valor de uso exacerbado em detrimento de seu valor de troca, no uso/ocupação da terra, com a natureza somente sendo concebida como mercadoria aos que detêm mais renda, ou enquanto única opção de habitação aos mais pobres.

Paisagens cada vez mais segregadoras produzem: de um lado espaços supervalorizados & com renda concentrada, melhor infraestrutura, urbanização e de fluência da urbanidade -, e de outros, espaços concentrando bolsões de miséria. Ambos crescendo desiguais, mas combinados em meio à exclusão social e a degradação ambiental. Assim, é importante o reconhecimento das características ambientais do PEC, (re) qualificando-o enquanto Unidades de Conservação (proteção integral ou uso sustentável) à averiguação da capacidade-suporte de seus recursos naturais; e por que não dizer do próprio sítio urbano de Fortaleza.

O território que constitui o parque é multifacetário e multi-escalar (do capital ou da moradia de baixa renda e de risco, da luta social na proteção da natureza, etc.) contestado material e simbolicamente por produtores do espaço (empresários, turistas, sociedade e, especialmente, os governos Municipal e Estadual).

A falta de Plano de Manejo para o entorno do PEC e geoambientes associados (Área de Proteção Ambiental, Parque Natural das Dunas de Sabiaguaba e da Área de Relevante Interesse Ecológico- Dunas do Cocó), colabora à existência de impactos negativos, a partir de: aterramentos e poluição de coleções hídricas colaborando para cheias; compactação dos solos; surgimento de áreas de risco; problemas com resíduos sólidos, proliferação de epidemias e pestes; desmatamentos e reduções de áreas verdes (abaixo do mínimo de 16 metros quadrados por habitante conforme a OMS) e de sumidouros de gás carbônico, além das áreas tampões necessárias ao conforto térmico da cidade.

Então, Cocó: para quê te quero? Seu complexo fito-faunístico e fluvial produz funções ecossistêmicas e resguarda ativos ambientais, se prestando a suporte as atividades produtivas; informação científico-educacional; regulação hidroclimática; produção de recursos genéticos e medicinais; contato com a natureza e sua conversação. Especula-se que sem tamanha área verde, os problemas de drenagem urbana e de aquecimento do micro-clima da cidade seriam deveras aumentados.

É mister o desenvolvimento de um plano de ação integrado (plano de manejo) baseado nos limites da poligonal do PEC, envolvendo os fortalezenses, considerando as leis ambientais e a realidade local. Tal Plano deve abranger o Parque e sua zona de amortecimento, para evitar litígios (atuais e futuros) ao alcance dos usos conjuntivos associados aos partilhados dos recursos naturais, definindo prioridades e eliminando os riscos de conflitos ambientais. Protegendo os mananciais, mantendo e recuperando a funcionalidade dos geoambientes, reflorestando matas ciliares, implantando saneamento básico e, sobretudo, desenvolvendo práticas conservacionistas na relação sociedade/natureza seria, portanto, metas necessárias.

>> FLÁVIO RODRIGUES DO NASCIMENTO é geógrafo e professor do departamento e da pós-graduação em Geografia da UFF/RJ.

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