terça-feira, 21 de setembro de 2010

USP revê currículos e pode fechar cursos


Universidade reavalia grades curriculares de todos os cursos e discute continuidade daqueles com baixa procura

Projeto pedagógico deve ser multidisciplinar, e carga horária, mais flexível; não há prazo para fim da revisão.



"A proposta abre uma coisa nova na USP, que é o processo de modernização. Também precisamos ver se o que parece estar funcionando realmente está"
SYLVIO SAWAYA
diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

FÁBIO TAKAHASHI
FOLHA DE SÃO PAULO 21SET10

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO


Principal universidade do país, a USP decidiu revisar todos os seus cursos de graduação. Com isso, poderá haver mudanças nos currículos (para dar mais liberdade aos estudantes) e fechamento de carreiras de baixa demanda no vestibular.
A medida foi aprovada na semana passada pelo Conselho Universitário, órgão máximo da instituição, que reúne reitoria, diretores de unidades e representantes de todos os segmentos da escola.
A discussão começou ao se debater a viabilidade do aumento de vagas na graduação. "É importante que mesmo os cursos tradicionais verifiquem se é o caso de mudar, melhorar e até mesmo descontinuar certos cursos ou substituí-los", disse ontem à Folha o reitor João Grandino Rodas, em cerimônia em Ribeirão Preto (SP).
"Não é possível que alguns cursos continuem hoje como eram na época de dom Pedro 1º", afirmou o reitor Rodas, sem citar nenhuma carreira.
Como a USP não participa de avaliações federais, não é possível comparar seus cursos com os das demais instituições brasileiras.
No ranking da Times Higher Education, publicado na semana passada pela Folha, a instituição ficou fora da lista das 200 melhores universidades do mundo.
O documento prevê que as unidades devam avaliar mudanças nos projetos pedagógicos, para que sejam mais "modernos e multidisciplinares". Também deve haver "revisão de carga horária, a fim de permitir maior flexibilidade nas atividades dos alunos de graduação".
As diretrizes determinam que sejam analisados cursos com baixa relação candidato/vaga no exame Fuvest ou com "baixo impacto social", "respeitando a especificidade de cada curso".
No último vestibular, os cursos menos procurados foram música (1,37 candidato/ vaga) e ciência da informação (1,8), ambos em Ribeirão Preto. Na capital, foi licenciatura em geociências (2,3).
A norma não prevê prazo para o fim da revisão. O reitor disse ainda que só irá destinar verbas para infraestrutura às unidades que tenham um bom projeto e "sintonia com a universidade".

Proposta é positiva, mas sofrerá resistência, afirma pesquisadora
DE SÃO PAULO

Membro do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, a socióloga Elizabeth Balbachevsky afirma que a proposta aprovada é positiva, mas sofrerá muitas resistências internas. (FT)

Folha - Como avalia essas mudanças da USP?
Elizabeth Balbachevsky - A USP tem uma série de cursos criados por arranjos clientelistas que hoje têm um, dois, três candidatos por vaga.
Quando é necessário abrir curso em área estratégica, aqueles sem demanda continuam existindo, inchando a máquina. Os recursos daqueles poderiam ser canalizados para esses cursos, sem precisar de mais dinheiro público.

É preciso mudar currículos?
Totalmente. O programa hoje é o mesmo de quando fiz graduação [1981]. O aluno, com apenas 17 anos, é forçado a escolher a carreira. O currículo poderia prever mais experimentação nos primeiros anos, para que se conheçam outras áreas.
Depois, nos últimos anos, alguns cursos como ciências sociais poderiam oferecer personalização maior. Tem gente que quer formação acadêmica, outros, aperfeiçoamento profissional. Hoje, ninguém é atendido bem.

Haverá resistência?
A proposta é necessária, mas haverá resistência. Uns não vão querer mudar simplesmente para não ter trabalho com isso. Outros vão se sentir ameaçados.

Reitor quer cautela na expansão de vagas
Para que haja crescimento, deve haver caráter inovador do curso e infraestrutura definida, diz João Grandino Rodas

Em 8 anos, número de vagas na Fuvest cresceu 50%; hoje, vestibular oferece 10.652 vagas em sete campi de SP

DE SÃO PAULO
DE RIBEIRÃO PRETO

A USP determinou que a expansão de vagas na graduação "não pode continuar no ritmo que vem acontecendo", pois pode prejudicar o funcionamento da escola e provocar um "colapso".
Para que haja crescimento, deve haver caráter inovador do curso e infraestrutura definida, entre outros. Em oito anos, o número de vagas na Fuvest aumentou 50%.
Segundo o reitor João Grandino Rodas, é preciso cautela na expansão.
"No passado, e, mal comparando, foi o que aconteceu com o ensino público secundário do Estado. Há algumas décadas, era primoroso, mas no momento em que se abriu para todos, o que parecia positivo se transformou em algo extremamente negativo."
O reitor afirmou ainda que "sem uma revisão dos cursos que já existem e uma melhoria da infraestrutura disponível, a busca da excelência [no ensino] da USP não será possível". A instituição oferece hoje 10.652 vagas nos vestibulares dos sete campi.
Segundo o diretor do Instituto de Matemática e Estatística, Flávio Coelho, a norma "certamente é restritiva, mas não proibitiva" em relação a expansão de vagas.
A ideia de restringir uma forte ampliação de vaga já havia sido apresentada no ano passado pelo reitor, logo após a vitória na eleição.
"Nossa graduação dobrou nos últimos oito anos. A prioridade número um é fazer uma adequação dos prédios e dos meios humanos para que a graduação funcione bem. Seria inaceitável aumentar o número de vagas quando o necessário é melhorar nossas condições atuais", disse à Folha.
Posição parecida foi declarada pelo ex-reitor Adolpho José Melfi, quando deixou o cargo, em 2005.
"Uma universidade de pesquisa não pode ser muito maior do que a USP já é", disse à época.

ANÁLISE

Há lógica na decisão de limitar a expansão de vagas da USP
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Há lógica na decisão da USP de limitar sua expansão. Para compreendê-la é preciso contextualizar o dilema da educação superior no Brasil.
De um lado, é preciso aumentar a oferta de vagas, movimento que está em curso. Na última década, a taxa de escolarização líquida do ensino superior (jovens entre 18 e 24 anos no 3º grau) mais que dobrou, aproximando-se dos 15%. Mas o país ainda está longe de outras nações.
Nesse tipo de comparação, o dado mais usado é a taxa de escolarização bruta, que relaciona o total de matrículas num dado nível de ensino com a população na faixa etária adequada a esse nível.
Nesse conceito, o Brasil tem 30% de escolarização no 3º grau (2007), contra 38,3% da Bolívia, 52,1% do Chile e 81,6% dos EUA, para citar exemplos continentais.
Assim, em termos macroeducacionais, faz sentido adotar programas que ampliam maciçamente a oferta de vagas, como o Prouni e a expansão de certas faculdades públicas. Só que a USP não é uma universidade qualquer, mas a joia da coroa.
Ela e a Unicamp são as únicas do país no ranking das 250 melhores universidades do mundo da "Times Higher Education" -nas modestas 232ª e 248ª posições.
Se quiser manter-se como centro de excelência, a USP deve resistir aos apelos pela democratização e avaliar com cautela novas expansões. A USP Leste está longe de ser um caso de sucesso.
Gostemos ou não, incorporar mais estudantes significa aceitar alunos com pior desempenho, o que resulta em queda de qualidade. O problema é menos a USP e mais a educação básica, incapaz de preparar para o mercado global universitário.
Folha de São Paulo, 21/set/2010

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