José
Maria Alves da Silva é professor da Universidade Federal de Viçosa. Artigo
enviado ao JC Email pelo autor.
Nos primórdios da humanidade, o tamanho da população e suas possibilidades de
reprodução dependiam crucialmente da disponibilidade de meios de subsistência.
"Maximizar o aproveitamento de recursos", princípio que representa o sentido
original da palavra economia (do grego oikosnomia), era então uma questão
vital.
Na sociedade capitalista contemporânea a situação é muito diferente. O avanço
tecnológico, impulsionado pelo conhecimento científico, elevou a capacidade
produtiva para níveis muito além das necessidades humanas essenciais e o
imperativo econômico passou a ser o lucro. Nesse contexto, a produção de bens
materiais adquire uma finalidade em si mesma e as necessidades humanas tornam-se
pretextos que precisam ser reinventados incessantemente. Não se trata mais de
"produzir para consumir para viver", mas sim de "viver para produzir para
consumir". Consumismo e produtivismo são termos pejorativos surgidos na crítica
denunciadora dessa inversão de valores.
Por contágio dessa cultura, introduziram-se nas universidades, primeiro as
norte-americanas, modos de produção acadêmica de alta escala. Em conseqüência da
institucionalização do lema "mass production", adquirem valor próprio
quantidades de papel escritos na forma de livros, artigos em revistas indexadas
e tudo o mais que pode servir para entulhar bibliotecas, sem necessariamente ter
algo a ver com novas idéias ou avanço de conhecimento. Esse é o sintoma
principal do mal conhecido como produtivismo acadêmico.
Onde o produtivismo acadêmico impera, conforme a imposta regra categórica do
"publish or perish", não é preciso pensar ou pesquisar desde que se passe a
impressão de estar fazendo isso, ao passo que os pensam e pesquisam seriamente
correm o risco da exclusão, caso não consigam criar essa aparência. Aulas,
conferências e palestras brilhantes, ou qualquer outro tipo de comunicação, fora
dos meios reconhecidos, não contam, por mais que sirvam para solucionar
problemas, enriquecer espíritos ou abrir novos caminhos de pensamento. Além de
levar a uma rotinização da atividade acadêmica, tornando professores cada vez
mais semelhantes a burocratas - os "buroprofessores", nos dizeres do saudoso
geógrafo Milton Santos - isso contribui também para um clima cada vez mais
competitivo, hostil e estressante nos campi universitários.
Nos países ricos, o produtivismo acadêmico tem um lado positivo na medida em
que contribui para a geração de empregos de pessoal altamente qualificado,
aliviando preocupações governamentais. Entretanto, nos países que mais carecem
de soluções criativas para problemas cruciais, a existência de especialistas nas
universidades públicas mais preocupados em gerar indicadores e atingir metas
ditadas por agências de avaliação, constitui paradoxal desperdício de recursos
valiosos investidos na formação de mestres e doutores.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas
nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem
necessariamente a opinião do jornal.
|
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Sobre o produtivismo acadêmico, artigo de José Maria Alves da Silva
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário